Não costumo escrever na primeira pessoa, mas hoje me senti compelido a isso. Em todos de Umbanda já vi muita coisa. Algumas me agradaram, edificaram meu conhecimento, colaboraram com meu crescimento espiritual – em cuja caminhada ainda dou os primeiros passos, sem falsa modéstia - , outras coisas que vi não foram tão agradáveis aos meus olhos, no entanto, como tudo que existe e acontece, serviram para ensinar alguma lição que certamente me faltava.
Não faz muito tempo, sofri certa decepção com pessoas próximas a mim na Umbanda. Isso não me fez desacreditar na religião, mas me mostrou que eu tinha outros caminhos a seguir. Agradeço a essas pessoas que, num primeiro momento me decepcionaram, mas que na verdade, mesmo inconscientemente, tiraram algumas travas dos meus olhos e me fizeram caminhar com as próprias pernas. Assim é a vida: tudo que nos acontece é parte de um processo de construção de conhecimento e aprimoramento. O problema é que muitas vezes nos prendemos apenas ao ato de vislumbrar o erro – até com certo prazer – e deixar que a língua se exercite mais que a razão. Os sentimentos gerados por esse tipo de atitude é extremamente nocivo, principalmente quando estamos em um terreiro de Umbanda, cuja harmonia é essencial ao bom andamento dos trabalhos.
Estar em uma gira de Umbanda é uma responsabilidade grande, pois ali não estamos sós. Estamos acompanhados de nossos irmãos-de-fé e de toda uma gama de energias e espíritos, que se não estiverem adequadamente sintonizados e harmonizados, abrem brechas para outras energias, indesejadas, daninhas e que se beneficiam da fragilidade que porventura apareça.
Estar em uma gira de Umbanda é, sobretudo, estar doando um pouco de si mesmo. Aquele que se propõe a trabalhar na Umbanda acreditando que receberá benefícios está redondamente enganado. Ele irá doar mais do que receber: irá doar seu tempo de descanso, de lazer, de família. Não receberá aplausos nem recompensas materiais (embora muitos esperem isso). Porém receberá o mais valioso dos tesouros, a oportunidade de aprimorar o próprio espírito através da prática da caridade.
Mas para receber essa recompensa é necessário merecê-la. É necessário estar de coração aberto e alma limpa durante o tempo que dura a gira de Umbanda.
Será que todos os membros da corrente são amigos e se amam verdadeiramente como irmãos, como prega a religião?
Seria hipocrisia responder que sim. Sabemos muito bem que temos afinidades e preferências. Alguns simpatizam mais com Fulano, outros mais com Beltrano. É natural que essas diferenças existam – justamente porque existe a diversidade, qualidade que provavelmente a Umbanda é uma das poucas religiões que respeita. O que não podemos deixar é que essas afinidades se tornem fator de desarmonia (já que as afinidades existem justamente para harmonizar os grupos). Sábio é o umbandista que entende que quando está “à paisana” (fora do horário da gira), tem todo o direito de ter suas preferências, mas que ali, enquanto rufam os atabaques, todos, sem exceção, são irmãos e iguais – ninguém é mais médium que outro, nem suas entidades são mais poderosas. Cada qual tem sua importância e valor e infeliz é aquele que não percebe isso.
É preciso também que o umbandista aprenda a olhar mais para o seu interior do que para o seu irmão-de-fé. Ele está ali como um trabalhador espiritual, alguém que se doa, alguém disposto a praticar a caridade e ser instrumento da espiritualidade no sentido de auxiliar os necessitados, encarnados e desencarnados. Ele não é um fiscal do seu irmão-de-fé, da gira e nem mesmo (e principalmente) das entidades que vêm em Terra para trabalhar na caridade. Cada filho de Umbanda deve, durante os trabalhos, preocupar-se em fazer a sua parte da melhor forma possível. Se cada um cuidar da qualidade do seu desempenho, a gira correrá tranquilamente. No entanto, se ele adentrar o terreiro já com o olhar crítico para com seu irmão, conseguirá desestabilizar não somente aquele(s) a quem observa e critica, mas a si mesmo e comprometerá todo o trabalho.
Isso não significa que o filho de Umbanda deve se calar diante de coisas erradas que porventura possam acontecer durante os trabalhos espirituais. É seu dever levantar as questões (e apontar sugestões/soluções) quando elas surgem. Porém não é seu dever colocar-se no papel de fiscal da gira. Para isso existem os orixás, as entidades, os guardiões da casa e, abaixo deles, o dirigente dos trabalhos.
Não acredito na existência de um templo de Umbanda perfeito, pois eles são formados por seres humanos, que carregam consigo, inclusive nos momentos de trabalho, todas as suas qualidades, defeitos e imperfeições. Se fôssemos perfeitos não haveria a necessidade de estarmos ali. O templo é reflexo de seus filhos. Quanto maior a harmonia entre os irmãos-de-fé, melhor o resultado dos trabalhos, isso é fato. O inverso também.
Cada umbandista deveria observar o seu templo com olhos benevolentes, buscando os aspectos positivos, e não a oportunidade de levantar críticas. Deveria observar e valorizar o empenho de seu irmão, que muitas vezes faz enormes sacrifícios para estar ali. E deveria, antes de analisar criticamente os trabalhos e as pessoas, analisar a si mesmo, pois muitas vezes quem destoa do grupo é ele.
Jamais encontraremos a perfeição total em um templo de Umbanda, pois somos nós, humanos que estamos ali visíveis à assistência e todas as nossas fragilidades estão à mostra. Aprendi a não buscar a perfeição nos terreiros (e nem nos umbandistas, pois não sou o paladino da perfeição). Mas aprendi a cobrar de mim mesmo – e não dos outros – melhores atitudes, principalmente quando desempenho o papel de representar a minha religião, dentro ou fora do templo, pois sou o espelho onde ela se reflete. Os orixás e as entidades raramente são visíveis aos olhos humanos. Minhas atitudes não.
Como sempre digo, as religiões são perfeitas, já os religiosos...
Douglas Fersan
Maio de 2011.
Não faz muito tempo, sofri certa decepção com pessoas próximas a mim na Umbanda. Isso não me fez desacreditar na religião, mas me mostrou que eu tinha outros caminhos a seguir. Agradeço a essas pessoas que, num primeiro momento me decepcionaram, mas que na verdade, mesmo inconscientemente, tiraram algumas travas dos meus olhos e me fizeram caminhar com as próprias pernas. Assim é a vida: tudo que nos acontece é parte de um processo de construção de conhecimento e aprimoramento. O problema é que muitas vezes nos prendemos apenas ao ato de vislumbrar o erro – até com certo prazer – e deixar que a língua se exercite mais que a razão. Os sentimentos gerados por esse tipo de atitude é extremamente nocivo, principalmente quando estamos em um terreiro de Umbanda, cuja harmonia é essencial ao bom andamento dos trabalhos.
Estar em uma gira de Umbanda é uma responsabilidade grande, pois ali não estamos sós. Estamos acompanhados de nossos irmãos-de-fé e de toda uma gama de energias e espíritos, que se não estiverem adequadamente sintonizados e harmonizados, abrem brechas para outras energias, indesejadas, daninhas e que se beneficiam da fragilidade que porventura apareça.
Estar em uma gira de Umbanda é, sobretudo, estar doando um pouco de si mesmo. Aquele que se propõe a trabalhar na Umbanda acreditando que receberá benefícios está redondamente enganado. Ele irá doar mais do que receber: irá doar seu tempo de descanso, de lazer, de família. Não receberá aplausos nem recompensas materiais (embora muitos esperem isso). Porém receberá o mais valioso dos tesouros, a oportunidade de aprimorar o próprio espírito através da prática da caridade.
Mas para receber essa recompensa é necessário merecê-la. É necessário estar de coração aberto e alma limpa durante o tempo que dura a gira de Umbanda.
Será que todos os membros da corrente são amigos e se amam verdadeiramente como irmãos, como prega a religião?
Seria hipocrisia responder que sim. Sabemos muito bem que temos afinidades e preferências. Alguns simpatizam mais com Fulano, outros mais com Beltrano. É natural que essas diferenças existam – justamente porque existe a diversidade, qualidade que provavelmente a Umbanda é uma das poucas religiões que respeita. O que não podemos deixar é que essas afinidades se tornem fator de desarmonia (já que as afinidades existem justamente para harmonizar os grupos). Sábio é o umbandista que entende que quando está “à paisana” (fora do horário da gira), tem todo o direito de ter suas preferências, mas que ali, enquanto rufam os atabaques, todos, sem exceção, são irmãos e iguais – ninguém é mais médium que outro, nem suas entidades são mais poderosas. Cada qual tem sua importância e valor e infeliz é aquele que não percebe isso.
É preciso também que o umbandista aprenda a olhar mais para o seu interior do que para o seu irmão-de-fé. Ele está ali como um trabalhador espiritual, alguém que se doa, alguém disposto a praticar a caridade e ser instrumento da espiritualidade no sentido de auxiliar os necessitados, encarnados e desencarnados. Ele não é um fiscal do seu irmão-de-fé, da gira e nem mesmo (e principalmente) das entidades que vêm em Terra para trabalhar na caridade. Cada filho de Umbanda deve, durante os trabalhos, preocupar-se em fazer a sua parte da melhor forma possível. Se cada um cuidar da qualidade do seu desempenho, a gira correrá tranquilamente. No entanto, se ele adentrar o terreiro já com o olhar crítico para com seu irmão, conseguirá desestabilizar não somente aquele(s) a quem observa e critica, mas a si mesmo e comprometerá todo o trabalho.
Isso não significa que o filho de Umbanda deve se calar diante de coisas erradas que porventura possam acontecer durante os trabalhos espirituais. É seu dever levantar as questões (e apontar sugestões/soluções) quando elas surgem. Porém não é seu dever colocar-se no papel de fiscal da gira. Para isso existem os orixás, as entidades, os guardiões da casa e, abaixo deles, o dirigente dos trabalhos.
Não acredito na existência de um templo de Umbanda perfeito, pois eles são formados por seres humanos, que carregam consigo, inclusive nos momentos de trabalho, todas as suas qualidades, defeitos e imperfeições. Se fôssemos perfeitos não haveria a necessidade de estarmos ali. O templo é reflexo de seus filhos. Quanto maior a harmonia entre os irmãos-de-fé, melhor o resultado dos trabalhos, isso é fato. O inverso também.
Cada umbandista deveria observar o seu templo com olhos benevolentes, buscando os aspectos positivos, e não a oportunidade de levantar críticas. Deveria observar e valorizar o empenho de seu irmão, que muitas vezes faz enormes sacrifícios para estar ali. E deveria, antes de analisar criticamente os trabalhos e as pessoas, analisar a si mesmo, pois muitas vezes quem destoa do grupo é ele.
Jamais encontraremos a perfeição total em um templo de Umbanda, pois somos nós, humanos que estamos ali visíveis à assistência e todas as nossas fragilidades estão à mostra. Aprendi a não buscar a perfeição nos terreiros (e nem nos umbandistas, pois não sou o paladino da perfeição). Mas aprendi a cobrar de mim mesmo – e não dos outros – melhores atitudes, principalmente quando desempenho o papel de representar a minha religião, dentro ou fora do templo, pois sou o espelho onde ela se reflete. Os orixás e as entidades raramente são visíveis aos olhos humanos. Minhas atitudes não.
Como sempre digo, as religiões são perfeitas, já os religiosos...
Douglas Fersan
Maio de 2011.
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